Comecei minha vida escolar no Instituto Nossa Senhora do Carmo, em Anápolis. Lá estudei no Jardim e no Pré. E foi lá, também, com as irmãs carmelitas, que iniciou esse prazer em estudar. Mas claro, começaram também meus atritos. Nunca esquecí que fui chamado de "pipoca" pela Irmã Edith por ter colocado o til no lugar errado na palavra mamãe. Mas depois veio a mais linda das professoras, cuja beleza se estendida até no nome: Flordenice! Era linda... meiga... acho que foi a primeira pessoa, fora do meu núcleo familiar, que amei.
Mas como o dinheiro ficou curto, tive que encarar a vida real. De lá, uma escola enorme, cheia de brinquedos, parquinhos, campos de areia, caí no Educandario Espírita. Era 1983 e estudava numa escola feia, suja, que tinha um banheiro tão horroroso que por vezes, preferíamos fazer xixi e cocô atrás de umas árvores...
Pra piorar, em 1984, eu e minhas irmãs fomos para uma escola municipal que ficava no bairro de periferia onde morávamos. Colégio Anhanguera, na Vila Formosa. Aí eu fui entender o que eram políticas compensatórias para crianças pobres. Tomávamos lombrigueiro para combater vermes, bochechávamos fluor para evitar cáries. Ganhávamos kits da antiga FAE com lápis, borracha, caderno, lápis de cor bem vagabundo, apontador, régua, compasso. E pronto. Tínhamos que fazer durar o máximo possível. Tinha as aulas de educação (i)moral e cívica, cantávamos o hino, rezávamos... Éramos todos massacrados pelas professoras e pela direção... E ainda tinham as malditas estagiárias da escola normal. Nada parecia o mundo que a Flordenice havia me apresentado.
Agora eu tinha a tia Veri (uma bruxa), a Tia Dulcimar (que vai ter o que merece um dia) e a tia Maria Alves (aqui se faz, aqui se paga!) Estão vendo a responsabilidade, colegas professores e professoras? Como é que passados quase 30 anos eu ainda tenho guardadas as impressões de cada uma de minhas primeiras professoras?
Terminei a 4ª série em 1986. E como o Carmo tinha um convênio com o Estado, pude retornar dando adeus ao Anhanguera e aos lombrigueiros.
Voltei pro Carmo e lá fiquei da 5ª a 8ª série. Mas a escola não era mais a mesma. Nem eu era mais o mesmo. E como foram bacanas aqueles anos. Foi nessa escola que tive meus primeiros grandes amigos, mas também foi onde eu sentí, pela primeira vez, vergonha de ser pobre. Era um dos poucos bolsistas e as freiras faziam questão de frisar isso. Nós não podíamos tirar notas baixas, fazer bagunça, deixar de participar das missas. Se acontecesse algo fora do estabelecido, claro, jogavam na nossa cara nossa condição.
Bom! Ter reprovado por duas vezes (na 6ª e na 7ª) não ajudou em nada minha relação com as freiras. Além do mais, como eu adorava tocar o terror! Não tinha esporte que eu mais adorava do que atazanar a vida delas. E modéstia às favas, eu consegui... Ah! Como consegui! Coitada de minha mãe. Ela que escutava... E como apanhei dela por causa de minhas incontáveis travessuras!
Mas fui passando por transformações por causa dessa diferença de tratamento. A vergonha de ser pobre foi se transformando em revolta! Ainda mais que na 8ª série começamos a estudar o mundo e que mundo diferente era aquele... EUA x URSS, capitalismo x socialismo, muro de Berlim, Glasnost, Perestroika, Gorbachev, PT, Greves, Eleições presidenciais, Lula, Fora Collor! Comecei então a entender as razões da concentração de renda, da pobreza extrema, da falta de perspectivas, das dificuldades que meus pais viviam em casa em contraste com a vida de opulência dos colegas que dividiam o mesmo espaço comigo na escola.
Foi então, num colégio de freiras que o socialismo me foi apresentado, meu lado ateu se justificou e minha rebeldia de juventude começou a ter uma causa... Dialética marxista em estado bruto!
Terminada a 8ª série mais uma ruptura. Pra onde ir? Bom, já com 16 anos em 1993 era hora de procurar o que fazer além de dar aulas particulares. Trabalhar durante o dia e estudar a noite era a única solução. Consegui uma vaga num colégio de padres franciscanos que também tinham convênio com a Secretaria de Educação. Mas a Matemática, a Física e a Química foram difíceis demais pra mim. Resultado? Outra reprovação. A terceira!
Bom... Tive então que fazer uma outra escolha: Ir fazer Contabilidade num colégio estadual perto de minha casa. Ensino profissionalizante, sem qualquer perspectiva de reflexão, sem lanche, com salas lotadas de adolescentes que, assim como eu, privados de tudo, menos da vontade! Como estava desempregado, tentei seleção pra entrar numa papelaria. E passei. Durante o dia, na Papelaria Glória, como um burro de carga em tempo integral e a noite, moído, ia pra escola.
Como não queria seguir aquela carreira, no final do 3º ano, decidí prestar vestibular, mesmo não tendo nenhuma base dos conhecimentos necessários. Numa atitude corajosa, pedí as contas da papelaria e com o seguro desemprego, comprei uns fascículos em bancas, estudei na biblioteca pública, acordava cedinho pra ver as aulas do Telecurso. Fiz inscrição pra História na Universidade de Anápolis e Pedagogia na UFG(era o único curso noturno oferecido na época). Passei nos dois! Mais uma vez, tive que escolher: Ficar naquela porra de cidade que eu odiava, mas que tinha a segurança da família, ou ir pra Goiânia, sem nenhum centavo, com a cara e a coragem... Em 1997 estava em Goiânia, onde viví por 12 anos. Nunca mais fui o mesmo.
Nesta vida, cheia de escolhas, algumas foram acertadas, outras não. A mais correta talvez tenha sido a escolha da profissão, que tanto me orgulha, que tanto me faz um ser humano melhor!
Muito boa sua reflexão.
ResponderExcluirParabéns e muito sucesso em sua carreira!